Oi Gente, no mês passado fui convidada a dar entrevista a Revista da Hora, suplemento que sai aos domingos com o jornal Agora São Paulo. O espaço que tive na entrevista foi bem pequeno comparado às perguntas que respondi, e entendo que o jornalismo tem seus objetivos e pra eles foi melhor dessa maneira. Mas de toda forma eu queria que vocês tivessem acesso ao conteúdo completo, para não parecer algo raso. Então abaixo vou deixar as imagens da reportagem e abaixo a entrevista como enviei a eles.
Como saiu na matéria:
Entrevista completa:
1 – Camila, você hoje é uma blogueira/influenciadora digital plus size. Essa é sua principal atividade hoje em dia?
Não me considero uma influenciadora digital, eu gosto do retorno e discussão que possam gerar os conteúdos que produzo. Mas não acredito neste modelo de influencer, como se o público fosse inerte, sempre aceitando o que é entregue. Eu creio muito mais na abertura, na discussão, na liberdade e no respeito.
O conteúdo digital nunca foi minha principal atividade, nunca me gerou retorno financeiro e o que me faz acreditar e continuar é o impacto positivo que possa gerar e a abertura pra discussões. Minha fonte de renda vem do meu trabalho com marketing e design gráfico.
2 – E como surgiu a ideia de criar o Meu Espelho Diz? E como surgiu a ideia do nome?
Eu usava uma rede social antiga para publicar fotos, o flickr, e nela havia uma rede de amizades muito bacana que se formou na época, as gurias se apoiavam, participavam da vida uma da outra, então postagens e interações por lá eram bem frequentes. E isso aconteceu bem na época em que havia uma explosão de blogs na web, mas sempre com meninas no padrão midiático, então as amigas do flickr começaram a me dar essa ideia de criar um blog, e o bacana é que nunca foi dito: “crie um blog plus size” foi apenas “crie um blog”, ou seja, elas estavam um passo muito a frente, não é preciso setorizar nada nessa vida, basta ter respeito.
O nome foi uma amiga minha que deu a ideia, eu e ela sempre fazemos brainstorm pra definir nomes pra tudo, a Fran teve essa tirada e nós duas gostamos na hora. é uma brincadeira pra deixar em aberto sabe. Eu gosto de usar assim: Meu Espelho Diz Que Há Beleza em Toda Parte ou Meu Espelho Diz Que Beleza Não Tem Padrão. Mas vai muito além disso, não é tudo sobre beleza, sobre auto estima, sobre espelhos no sentido literal, é também e principalmente como você se vê por completo e como você vê o outro através de suas vivências, é sobre empoderamento no sentido de se enxergar por completo e se admirar e entender que admirar o próximo só te eleva também.
3 – Em algum momento na sua vida você já teve problemas de autoestima por ser gordinha? Achou-se feia por isso? Se sim, conte como você superou essa fase. Se não, diga por que você não liga para isso.
Sempre. Isso é super normal e recorrente. Numa sociedade que prega um padrão de beleza muito restrito e que te bombardeia com informações ora claras, ora sutis, de que você só terá sucesso se atingir o mesmo patamar que é representado, é praticamente impossível passar imune a isso. Acho que a grande questão é a gente conseguir ser gentil consigo mesma. Entender todo esse processo opressor da ditadura da beleza, conseguir se ver e se admirar como um todo.
4 – Que conselhos você daria a mulheres fora dos “padrões de beleza” que se sentem mal com isso e deixam, por exemplo, de usar biquíni, ir à praia ou tirar fotos?
Não somos somente a aparência, essa é só uma e talvez a menos importante faceta do que somos. A gente estuda, trabalha, é filha, muitas vezes é mãe, irmã, é amiga, esposa, namorada, tem gostos peculiares, particulares, gosta de séries específicas, de filmes, ajuda as pessoas, traz benefícios ao universo, então não se apegue tanto a estética nem ao que você é ao olhar do outro, lembre do mulherão completo que você é em tantos aspectos.
Seja gentil mesmo nos dias em que não está tudo bem, faz parte. Se um dia você não estiver confortável consigo, tá tudo bem também, é um direito seu, pode sofrer sim, ninguém tem que estar feliz e satisfeito o tempo inteiro.
Essa questão do biquíni é bem representativa, não exatamente por quem é gorda, mas pelos opressores que não acham justo uma gorda ter o direito de usar um biquíni, postar fotos de biquíni então, nem se fala. Sempre vai ter um comentário recheado de maldade, dizendo que a gente incentiva a obesidade. Sendo que o que incentivamos é a liberdade e o respeito. Vocês conseguem ver o absurdo que é isso? A gente ter que falar sobre questões tão simples nos dias de hoje, porque algumas pessoas julgam ofensivo ver uma pessoa gorda vestida como outra qualquer. É difícil entender o porquê isso atinge tanto.
Pra quem ainda tem dificuldade com o biquíni ou outra peça de roupa, tente se estiver a vontade, você é dona dos seus desejos e de como se veste, não acredite em regra social ou midiática, a única que vale é sua vontade.
Então acho que a fala na verdade mais do que pras gordas é pros demais, é pra quem está por perto, pra quem vai ver a pessoa sendo feliz na praia ou a foto publicada: respeite, é só mais uma pessoa, e é uma pessoa inteirinha, com todas as suas facetas e sentimentos, o que você vê é só um corpo e tudo bem ser diferente, somos plurais.
4 – Alguma vez (vale infância e adolescência) você já sofreu bullying ou preconceito por ser gordinha? Se sim, isso chegou a mexer com a sua autoestima?
Ah sim, a escola é um ambiente hostil, sempre rola, embora eu olhe hoje em dia e não me considere gorda na adolescência, na época sempre tinha uns comentários, as vezes eu mesma me excluía como um mecanismos de defesa. A gente sempre sofre e muitas vezes vem de onde menos esperamos, sabe aquele insulto disfarçado de elogio “bonita de rosto” que você recebe da família, dói pra caramba. Então acho que mais uma vez, muito além da gente se amar e se respeitar a gente precisa expandir isso para as outras pessoas, não é preciso machucar ninguém, respeito sempre.
5 – Que conselho você daria a uma amiga que entra em paranoia para emagrecer com a chegada do verão?
Eu não tenho o direito de interferir na vida de ninguém, muito pelo contrário, acho que se a pessoa quer mudar, ótimo, todos tem que fazer o que for melhor pra si, então amiga, tá afim de emagrecer, vai lá e seja feliz. O problema é o que está por trás disso, é o reforço do discurso midiático de que só é feliz quem é magra ou quem está no padrão, é oprimir a amiga gorda com isso. Então tenha consciência de que ninguém precisa estar dentro de padrão algum pra desfrutar de coisas boas da vida, do verão como no exemplo. Se você quiser emagrecer eu vou apoiar, desde que isso mantenha seu equilíbrio emocional também e de que você entenda que não é pro verão, nem pra ninguém que você faz isso, é única e exclusivamente por que quer. Veja até onde sua liberdade não interfere no respeito pela outra. Sua hashtag #gordice me atinge, pois usa um adjetivo real meu que é gorda como perjorativo, #projetoverão também me atinge, pois o discurso que está por trás é de só o padrão magro tem direito de usufruir do verão, é isso que você quer?
E perceba se você faz isso por sua vontade ou se é mais uma vítima da pressão estética. Veja que em todos os momentos usamos o feminino no texto, porque as mulheres estão sempre sujeitas a avaliação do corpo sem consentimento. Vivemos numa sociedade em que, ainda, o corpo feminino existe para a satisfação do olhar masculino, passou da hora de mudar né?
6 – Preciso também saber a sua idade e profissão
Camila Freitas, 31 anos, Designer Gráfica
7 – Essas são as perguntas. Caso, nelas, eu tenha deixado de citar algo que você considere importante, por favor, diga aqui:
Nesta entrevista falamos mais sobre pressão estética, auto estima, respeito e liberdade, que são essenciais, mas não posso deixar de citar a gordofobia, que foi tratado brevemente em relação a aparência e é algo que vai muito além disso. Eu ainda tenho o privilégio de estar em um padrão mediano, de não sofrer com questões maiores que a gordofobia engloba. Mas a sociedade não é preparada para o corpo gordo e isso é uma questão estrutural preocupante, não temos estrutura e acessibilidade com banheiros espaçosos, macas, assento em transporte que comportem e até mesmo encontrar roupas são exemplos disso. A imagem do gordo como não capaz, descontrolado, emocionalmente desequilibrado, pois não consegue administrar o próprio peso, ser descartado em uma seleção de emprego, ser marginalizado na sociedade etc são gordofobia, e é necessário citar isso também para abrir essa discussão que é bem mais ampla.